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José Maria Dias da Cruz

Tenho pensado muito no trabalho de Denise Araripe. Como cada vez mais me afasto de discussões teóricas pelas minhas buscas por um contato mais poético, e aí reside o que de mais perturbador contém uma obra de arte, digo que nesse recente trabalho vejo alguma coisa como uma autobiografia inelegível face a um auto retrato indecifrável. No exato intervalo entre um e outro alguma coisa se materializa, e isto é a obra, e nela procuro encontrar alguma resposta. Mas o enigma permanece, não obstante todo esforço de não se deixar que a pintura morra por uma segunda vez, conforme nos alertava Leonardo pensando talvez no artista como um semi Deus. Não, hoje o pintor perdeu essa ingenuidade. Está cru. Cito aqui uma passagem de Fernando Pessoa do livro do Desassossego. "A literatura, que é a arte casada com o pensamento e a realização sem a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo esforço humano, se fosse verdadeiramente humano, e não uma superfluidade do animal. Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror. Os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor. As flores, se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite." Há aqueles versos de Fernando Pessoa que todo mundo conhece, "todo poeta é um fingidor.." Há, também, o pensamento de Braque no qual ele diz que a verdade existe, inventamos apenas a mentira. Há toda uma experiência minha que diante dos trabalhos de Denise se me aflora. Há ainda o que ela me disse. Ir, agora, no fundo de sua experiência pessoal para sentir, através da arte, que sempre foi sua vocação e objeto de seus estudos, respostas para entender esse momento de crise em que vivemos.

Folhas de um diário, quase ao acaso, são aproveitadas para a realização de um trabalho. A criatividade se impõe criando suas próprias regras. Uma nova ordem se estabelece. Denise nos mostra como podemos pensar um quadro hoje, livre de todas as amarras. Colagens constróem o essencial de uma autobiografia. Aliás aurobiografia é o título de vários poemas de Michal Palmer, e de um deles tiro esses

versos: "Você deve ter me confundido comigo mesmo / Ainda que nuvens se abram". Indagamo-nos. Daí procurar uma resposta em um poeta cujo nome me escapa. "Só amor é mais forte que uma verdade que nos quer destruir."

 

Tudo em volta é um enigma. É importante procurarmos ouvir o que a Denise quer nos dizer.

 

José Maria Dias da Cruz

Florianópolis, outubro de 2008

Dias de Mim

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